O orçamento secreto, também chamado de emenda do relator, é uma prática legislativa brasileira iniciada em 2020 para destinação de verbas do orçamento público a projetos definidos por parlamentares sem a identificação destes. A caracterização como "secreto" surgiu na mídia, justamente, devido à falta de transparência quanto aos valores de cada repasse e dos nomes dos parlamentares envolvidos. Estima-se que o orçamento foi de cerca de 16 bilhões de reais em 2021[1] e terá valor similar em 2022.[2]
O presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira (deputado federal por Alagoas e filiado ao Progressistas, PP) é creditado como um dos principais arquitetos da prática. Diferente das emendas parlamentares já existentes, não há divisão igualitária entre os congressistas na destinação do orçamento secreto, nem critérios estabelecidos para distribuição entre bancadas ou regiões do país. O orçamento secreto favoreceu a relação entre o Governo Bolsonaro e o Centrão, permitindo maior governabilidade ao presidente.[3] Levantamento do jornal O Globo, a partir de amostra do orçamento secreto, indica que os políticos mais beneficiados foram: Davi Alcolumbre (senador pelo Amapá, então filiado ao Democratas), Ciro Nogueira (senador pelo Piauí, filiado ao PP), Fernando Bezerra Coelho (senador por Pernambuco, filiado ao Movimento Democrático Brasileiro, MDB), Domingos Neto (deputado federal pelo Ceará, filiado ao Partido Social Democrático, PSD) e Arthur Lira.[4] Somente 4% do orçamento foi destinado a parlamentares da oposição ao governo.[5]
Em 2021, a ministra da suprema corte Rosa Weber suspendeu os repasses, que foram retomados após Weber voltar atrás em sua decisão, com a condição de que fosse dada maior transparência à prática.[6] Apesar da decisão, não foi revelado qual parlamentar foi atendido em suas solicitações de destinação de verbas no orçamento e qual o destino do dinheiro em quase metade do valor total de dezembro de 2021, conforme esforço do relator-geral do orçamento, o senador pelo Acre Márcio Bittar (então filiado ao Partido Social Liberal, PSL), de preservar o nome dos parlamentares contemplados.[2] Um artifício utilizado para tal fim é a nomeação de um "usuário externo" nos documentos oficiais. O "usuário externo" é o nome de um requerente de verbas para um município, que só serão liberadas mediante o apadrinhamento de um parlamentar, cujo nome pode ser mantido em sigilo. [7]
Preocupação Internacional
Em março de 2022, a organização independente Transparência Internacional enviou ao Grupo de Trabalho Antissuborno da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (WGB/OCDE) um relatório sobre retrocessos recentes que estariam ocorrendo no combate à corrupção no Brasil. O monitoramento do caso brasileiro ocorre porque o Brasil é signatário da Convenção contra o Suborno Transnacional, da OCDE, desde o ano 2000[8]. Dentre os retrocessos recentes, o "orçamento secreto" teve grande destaque, juntamente com a perda de autonomia por parte do Ministério Público Federal, da Polícia Federal, Receita Federal e do COAF[8]. O orçamento secreto foi mencionado como um caso de "retrocesso na transparência do processo legislativo", juntamente com o afrouxamento da Lei de Improbidade Administrativa[8].
No mesmo ano, a organização do terceiro setor UNAC Coaliation , juntamente à Transparência Internacional, fez uma avaliação sobre o nível de comprometimento das autoridades brasileiras com relação à Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (UNCAC). A síntese dos resultados foi entregue à própria Controladoria-Geral da União (CGU), com a lista dos retrocessos brasileiros em relação àquela convenção internacional da qual o Brasil é signatário. Mais uma vez, o orçamento secreto teve destaque, porque teria sido uma "forma encontrada pelo Executivo e Legislativo para usar o orçamento como moeda de troca sem a mínima possibilidade de controle da sociedade e dos órgãos de fiscalização sobre o critério e destinação desses recursos"[9].
Diversas denúncias de corrupção com as verbas do orçamento secreto ganharam notoriedade nacional. [10] As denúncias incluem superfaturamento na compra de tratores[11], de ônibus escolares [12] e caminhões de lixo[13]. As quantidades compradas são destinadas desproporcionalmente para redutos eleitorais de políticos influentes.[10] Uma em cada cinco ambulâncias compradas, por exemplo, foi destinada para o Piauí, reduto de Ciro Nogueira, quase o dobro da quantidade destinada para o estado de São Paulo.[14]
As primeiras prisões relacionadas a desvios do orçamento secreto ocorreram em outubro de 2022.[15] Os irmãos Roberto e Renato Rodrigues de Lima foram presos pela Polícia Federal suspeitos de fraudar o Sistema Único de Saúde (SUS). A Operação Quebra Ossos identificou um número elevado de atendimentos médicos alegadamente feitos na cidade de Igarapé Grande, no Maranhão. O número de consultas médicas no município subiu de 123 mil por ano em 2018 para 761 mil, após a recepção de verbas do orçamento secreto. [16] Em 2020, a cidade informou ter realizado 12,7 mil radiografias de dedo, superando o número de habitantes da cidade (11,5 mil).[17] A suspeita é que os dados informados na planilha enviada ao SUS pela cidade tenham sido falsificados para desviar verbas públicas. Os documentos de liberação da verba indicam que Roberto Rodrigues de Lima, um dos presos na operação, foi o responsável pela solicitação do montante na condição de "usuário externo"; dessa forma, o nome do parlamentar responsável pela liberação permanece oculto.[18]
Relações da Codevasf, comandada pelo "Centrão", com empreiteiras têm sido alvo de operações da Polícia Federal e de auditorias do TCU, desde que a estatal foi agraciada por um substancial aporte orçamentário: aos 9 bilhões de Reais autorizados pelo governo Jair Bolsonaro [19], somam-se mais R$ 2,1 bilhões provenientes de emendas parlamentares, com destaque para as emendas do relator (1,2 bilhão de Reais apenas em 2022[20]). Em Pernambuco, onde a superintendência regional da CODEVASF teria recebido 300 milhões em emendas do orçamento secreto, o TCU estima em R$ 1 bilhão o valor das fraudes em licitações em obras de pavimentação em função do estabelecimento de um "cartel do asfalto" [21]. O agravante político seria o fato de que o Ministro relator do caso TCU, Jorge Oliveira, considerado um amigo pessoal de Bolsonaro no órgão[22], teria contrariado o relatório técnico do próprio TCU que recomendava a suspensão dos contratos[22]. Caso semelhante teria sido revelado pela Operação Odoacro, da Polícia Federal, no Maranhão: apontou-se que a empreiteira vice-líder em contratos com o atual governo federal, a Construservice, viria fraudando licitações, no montante de R$ 140 milhões, com a anuência de um servidor que recebia propina [23] [24]. Na Bahia, a Controladoria-Geral da União detectou sobrepreço de R$ 3,4 milhões em leilões de equipamento para obras hidráulicas[25].
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